terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Tarcísio, o Bonzão e os chatos

Em uma época não muito distante, o futebol pernambucano era bem mais animado fora das quatro linhas. As arquibancadas era coloridas por bandeiras, fogos e chuva de papel picado. Os clássicos tinham duas torcidas praticamente dividindo o estádio ao meio. Cada clube tinha diversas pequenas torcidas organizadas que só pensavam em fazer barulho com suas charangas (e não brigavam). Torcedores iam "a campo" fantasiados. A imagem mais comum de torcedor, nos anos 70 e 80, vestia a camisa do seu time e segurava um radinho de pilha colado aos ouvidos.

Ao longo dos anos, daquela época até hoje, a forma de se vestir e a forma como se comportavam nas arquibancadas produziram algumas figuras folclóricas. Vários torcedores tornaram-se famosos e entraram para história do futebol pernambucano: Zé do Rádio, Mister N, Cobrinha, Cabuloso, Papai Noel Alvirrubro, Jesus Tricolor, entre outros. Em 1989, um símbolo desse folclore futebolístico surgiu nas arquibancadas: o Bonzão. Um timbu em forma de boneco de Olinda, que frevava ao som da charanga da torcida Timbucana.

Era uma época romântica do nosso futebol. Romantismo que foi se perdendo, ao longo dos anos, por diferentes motivos. Como consequência, várias transformações ocorreram: as várias torcidas organizadas foram sumindo ou se fundindo. A Timbucana foi uma dessas torcidas que desapareceu e o Bonzão já não era mais visto nas arquibancadas. Cada clube passou a ter menos torcidas organizadas, porém, agora maiores e mais violentas. Durante esse tempo, bandeiras com mastro e fogos tiveram que ser banidos. Os clássicos passaram a ter torcida predominantemente do clube mandante e, à torcida visitante, coube apenas um setor pequeno e mal localizado nos estádios.

Dos torcedores famosos, Zé do Rádio era um desses e ficou famoso por ir àquele campo perto do mangue com um enorme rádio de pilha, que ele deixava no volume máximo justamente atrás do banco de reservas do adversário de seu time. A intenção, ele nunca escondeu: fazer barulho e infernizar o treinador do clube rival. Sua fama logo lhe rendeu o título de "torcedor mais chato do Brasil". Durante anos, Zé do Rádio foi exaltado por sua torcida e pela crônica esportiva pernambucana por tornar o futebol mais alegre. Mas Zé do Rádio foi morar no Céu e sua alegria parece não ter ficado aqui na Terra.

Já nos tempos atuais, parece que Zé do Rádio deixou um sucessor, mas que torce para outro time. Mais precisamente, Tarcísio da Buzina, torcedor do Salgueiro, que, também usa seu instrumento, uma enorme buzina, para fazer o mesmo que seu antecessor: infernizar o treinador visitante no Estádio Cornélio de Barros. Mas aquele romantismo de outros tempos, em nosso futebol, parece que foi esquecido. Quem diria que, na primeira rodada do Campeonato Pernambucano de 2016, Tarcísio da Buzina seria alvo de críticas e protestos justamente do treinador do time de Zé do Rádio? Pois aconteceu. Durante a coletiva de imprensa, Falcão falou mais do incômodo com a buzina do que deu explicações para a derrota de seu time. Logo ele, um ex-jogador acostumado a jogar em grandes estádios, lotados, e, consequentemente, barulhentos. Pasmem! Falcão reclamou que era um desrespeito um treinador não conseguir conversar com seu comandados.

site: globoesporte.globo.com
E quem diria que o folclórico Tarcísio seria criticado até por reportar(es) esportivo(s)? Logo a imprensa, que gosta de relembrar os tempos bons do futebol e que sempre exaltava Zé do Rádio, agora passou a engrossar o coro de Falcão. Como exemplo, basta conferir a crítica do repórter e blogueiro Wellington Araújo, em sua conta no Twitter, chamando o torcedor mais famoso do Sertão pernambucano de palhaço.

Twitter do repórter Wellington Araújo
O futebol realmente está ficando chato. Ou, talvez, sejam as pessoas. Estas, sim, devem estar ficando chatas. Não Tarcísio. Se a buzina fosse chata, não haveria torcedores ao lado de Tarcísio nas arquibancadas. Se Tarcísio fizesse mal ao futebol já teria sido banido pelo torcedores do próprio Salgueiro há muito tempo. Desculpem-me, Falcão e Wellington, para o bem do futebol, precisamos de mais Tarcísios nos estádios para mantermos vivo o lado bom do futebol, que tem sido esquecido ao longo dos tempos.

Felizmente, nem tudo é só tristeza. Nessa mesma rodada, marcada pelo protesto contra a buzina, um desses protagonistas de momentos bons do futebol de tempos passados ressurgiu. O Bonzão, da Timbucana, voltou às arquibancadas. Dançou muito frevo na Arena Pernambuco, posou para fotos e fez a festa da torcida alvirrubra, como vemos no vídeo a seguir.


O Bonzão mostrou que a esperança por dias mais alegres no futebol ainda existe. Apesar dos chatos que querem tornar o futebol chato.

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